Um grupo liderado por cientistas italianos detectou um grande lago de água líquida sob as calotas de gelo polar em Marte. Segundo os autores da pesquisa, publicada nesta quarta-feira, 25, na revista Science, é a primeira vez que um grande reservatório de água líquida foi identificado no Planeta Vermelho.
A presença de água congelada já havia sido comprovada há anos, mas a água líquida é considerada condição indispensável para a vida em um planeta. A nova descoberta, segundo especialistas, aumenta as probabilidades de que formas microscópicas de vida existam ou tenham existido em Marte.
O lago detectado sob o gelo polar de Marte tem cerca de 20 quilômetros de diâmetro e fica a pelo menos 1,5 quilômetro de profundidade. Para fazer a descoberta, eles utilizaram o radar Marsis, instrumento da nave Mars Express, da Agência Espacial Europeia (ESA), que está na órbita marciana há 15 anos.
Os cientistas usaram o Marsis para sondar a área conhecida como Planum Australe, na calota de gelo do polo sul marciano. “Descobrimos água em Marte. Qualquer outra explicação para as reflexões detectadas é insustentável”, afirma Orosei. “Trata-se só de pequena área de estudo e, portanto, pode haver mais desses bolsões subterrâneos de água em outros lugares, que ainda serão descobertos.”O equipamento enviou pulsos de radar que penetraram a superfície e as calotas de gelo do planeta. Foi medido como as ondas de rádio se propagaram e foram refletidas de volta à espaçonave. As reflexões fornecem dados sobre características do subsolo. O trabalho, liderado por Roberto Orosei, do Instituto Nacional de Astrofísica de Bolonha (Itália), foi feito de maio de 2012 a dezembro de 2015.
Os perfis de radar analisados são semelhantes aos que já haviam sido obtidos na detecção de lagos subglaciais na Antártida e na Groenlândia – o que reforça a existência de um lago subglacial sob o gelo marciano.
Como a temperatura média em Marte é de cerca de 60°C negativos, seria de se esperar que a água estivesse congelada. Mas as rochas marcianas têm sais de magnésio, cálcio e sódio, que, dissolvidos na água, formam uma espécie de salmoura. “Essa condição, associada à pressão produzida pela cobertura de gelo, permitiria que a água do lago permanecesse em estado líquido”, explica Orosei.
Estímulo – Segundo o astrônomo Roberto Costa, do Instituto de Astronomia e Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), pelo menos desde a década de 1970, quando as sondas Viking sobrevoaram Marte, já se tinha certeza de que a água existia, na forma de gelo, na superfície marciana. “Cada vez mais foram surgindo indícios de que poderia haver água líquida atualmente em Marte. Essa nova descoberta é da maior importância, porque finalmente confirmamos essa hipótese. As várias iniciativas para buscar vida fora da Terra partem do pressuposto de que a vida necessita de água na forma líquida. Essa confirmação não nos diz que há vida em Marte, mas demonstra que as condições para sua existência continuam presentes.”
A descoberta anima cientistas para a busca de vida fora do Terra, pela proximidade do planeta vizinho. “Esse estudo reforça o estímulo para que essa busca seja feita cada vez mais. Indica que é possível encontrar outros locais com água mais próxima da superfície”, diz Costa. Caso haja vida em Marte, é extremamente provável que tenha a forma semelhante à de algas microscópicas ou bactérias.
Segundo Costa, há vários locais no Sistema Solar com possibilidade de ter água líquida, como as principais luas de Júpiter. A lua Europa, por exemplo, é considerada um dos locais mais promissores para abrigar vida por seu vasto oceano de água líquida sob a crosta congelada. Na prática, a busca por esses vestígios parecia inviável, porque eles seriam destruídos caso a alta radiação local se aprofundasse no gelo. Mas cientistas anunciaram esta semana que a radiação não penetra mais de um centímetro, o que exclui a necessidade de escavação profunda para achar sinais de vida.
Em entrevista (veja trechos a seguir) o pesquisador Douglas Galante, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), comentou sobre a importância da descoberta.
Qual é o impacto dessa descoberta?
A grande novidade desse trabalho (divulgado nesta quarta) é mostrar que existe pelo menos um bolsão – e portanto podem existir muitos outros – com água permanentemente líquida. E que essa água não está no subsolo e sim na superfície do planeta, sob o gelo. Esse lago marciano é muito parecido com o Lago Vostok, na Antártida, que sabemos ser um ambiente habitável, mesmo a 30 quilômetros de profundidade. Por isso, essa descoberta nos mostra que o ambiente marciano é mais habitável do que aparentava ser no passado.
Há alguma possibilidade de se fazer buscas por vida nesse lago?
Com a tecnologia de que dispomos, é inviável porque nossas sondas não são capazes de perfurar o gelo marciano tão profundamente. Mas a descoberta indica que pode haver outros bolsões parecidos e em algum deles a água pode estar acessível. É questão de continuar buscando. O radar da ESA (Agência Espacial Europeia) precisou procurar de 2012 a 2015 até encontrar essa região com água. Temos de lembrar que Marte tem extensões muito vastas e é preciso tempo. Mas esses resultados reforçam nossas esperanças.
Marte passa a ser o principal alvo para a busca de vida?
Não há uma resposta conclusiva para essa questão. Mas podemos dizer que Marte entra no grupo de candidatos a ter vida presente Até agora, luas de Júpiter como Europa, ou de Saturno, com Encélado, eram considerados os locais mais propícios para a busca de indícios de vida presente. Marte teve no passado condições de habitabilidade que se perderam com o tempo e era considerado um candidato à pesquisa sobre indícios de vida extinta. Mas agora sabemos que Marte também tem condições para abrigar vida atualmente.
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